domingo, 18 de maio de 2008

Cultura?!

Tem rapariga aí? Se tem levante a mão!'. A maioria, as moças, levanta a
mão.

Diante de uma platéia de milhares de pessoas, quase todas muito jovens,
pelo menos um terço de adolescentes, o vocalista da banda que se diz de
forró utiliza uma de suas palavras prediletas (dele só não, e todas bandas
do gênero). As outras são 'gaia', 'cabaré', e bebida em geral, com ênfase
na cachaça. Esta cena aconteceu no ano passado, numa das cidades de
destaque do agreste (mas se repete em qualquer uma onde estas bandas se
apresentam). Nos anos 70, e provavelmente ainda nos anos 80, o vocalista
teria dificuldades em deixar a cidade.

O secretário de cultura Ariano Suassuna foi bastante criticado, numa
aula-espetáculo, no ano passado, por ter malhado uma música da banda
Calipso, que ele achava (deve continuar achando, claro) de mau gosto. Vai
daí que mostraram a ele algumas letras das bandas de 'forró', e Ariano
exclamou: 'Eita que é pior do que eu pensava'. Do que ele, e muito mais
gente jamais imaginou.

Pruma matéria que escrevi no São João passado baixei algumas músicas bem
representativas destas bandas. Não vou nem citar letras, porque este
jornal é visto por leitores virtuais de família. Mas me arrisco a dizer
alguns títulos, vamos lá: Calcinha no chão (Caviar com Rapadura), Zé
Priquito (Duquinha), Fiel à putaria (Felipão Forró Moral), Chefe do
puteiro (Aviões do forró), Mulher roleira (Saia Rodada), Mulher roleira a
resposta (Forró Real), Chico Rola (Bonde do Forró), Banho de língua
(Solteirões do Forró), Vou dá-lhe de cano de ferro (Forró Chacal),
Dinheiro na mão, calcinha no chão (Saia Rodada), Sou viciado em putaria
(Ferro na Boneca), Abre as pernas e dê uma sentadinha (Gaviões do forró),
Tapa na cara, puxão no cabelo (Swing do forró). Esta é uma pequeníssima
lista do repertório das bandas.

Porém o culpado desta 'desculhambação' não é culpa exatamente das bandas,
ou dos empresários que as financiam, já que na grande parte delas,
cantores, músicos e bailarinos são meros empregados do cara que investe no
grupo. O buraco é mais embaixo. E aí faço um paralelo com o turbo folk, um
subgênero musical que surgiu na antiga Iugoslávia, quando o país estava
esfacelando-se. Dilacerado por guerras étnicas, em pleno governo do
tresloucado Slobodan Milosevic surgiu o turbo folk, mistura de pop, com
música regional sérvia e oriental. As estrelas da turbo folk vestiam-se
como se vestem as vocalistas das bandas de 'forró', parafraseando Luiz
Gonzaga, as blusas terminavam muito cedo, as saias e shortes começavam
muito tarde. Numa entrevista ao jornal inglês The Guardian, o diretor do
Centro de Estudos alternativos de Belgrado. Milan Nikolic, afirmou, em
2003, que o regime Milosevic incentivou uma música que destruiu o
bom-gosto e relevou o primitivismo estético,. Pior, o glamur, a
facilidade estética, pegou em cheio uma juventude que perdeu a crença nos
políticos, nos valores morais de uma sociedade dominada pela máfia, que,
por sua vez, dominava o governo.

Aqui o que se autodenomina 'forró estilizado' continua de vento em popa.
Tomou o lugar do forró autêntico nos principais arraiais juninos do
Nordeste. Sem falso moralismo, nem elitismo, um fenômeno lamentável, e
merecedor de maior atenção. Quando um vocalista de uma banda de música
popular, em plena praça pública, de uma grande cidade, com presença de
autoridades competentes (e suas respectivas patroas) pergunta se tem
'rapariga na platéia', alguma coisa está fora de ordem. Quando canta uma
canção (canção ?!!!) que tem como tema uma transa de uma moça com dois
rapazes (ao mesmo tempo), e o refrão é 'É vou dá-lhe de cano de ferro/e
toma cano de ferro!', alguma coisa está muito doente. Sem esquecer que uma
juventude cuja cabeça é feita por tal tipo de música é a que vai tomar as
rédeas do poder daqui a alguns poucos anos.

Ariano Suassuna

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